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quinta-feira, 10 de maio de 2018

Documentário “Exu e a Ordem do Universo” desmistifica papel da divindade no ocidente



Ainda hoje, falar de religiosidade afro-brasileira é sinônimo de polêmica. Principalmente quando o assunto é Exu, uma das divindades mais demonizadas na cultura ocidental e, mais precisamente, no Brasil. Com o objetivo de desmistificar esta imagem negativa atrelada ao Orixá, o publicitário e cineasta de São Paulo, Thiago Zanato, de 39 anos, decidiu ir para a Nigéria conhecer de perto a ancestralidade africana.
Sua viagem ao país africano deu origem ao documentário em processo de produção “Exu e a Ordem do Universo”, que é dirigido e roteirizado por ele. Junto com o paulista, somam-se ao projeto com previsão de lançamento para 2019: Marco Antonio Ferreira, como diretor de Fotografia; Danilo Santos, como editor, além de Adriana Barbosa e o cantor Nasi, vocalista da banda “Ira!”, como produtores executivos. Thiago também já atuou como diretor do documentário “La Flaca”, lançado este ano, que traz como temática o culto à Santa Muerte, uma figura sagrada venerada no México.
“Exu e a Ordem do Universo” é seu primeiro trabalho focado na ancestralidade africana?
Sim, esse é meu primeiro trabalho focado na ancestralidade africana. Antes de ser convidado para fazer parte do projeto, eu já realizava pesquisas sobre a espiritualidade sob o prisma social e político. E o curta “La flaca” já tinha um viés religioso, social e político. Foi a partir deste trabalho que surgiu o convite para fazer parte do projeto que, até então, era apenas fotográfico e começou em 2015.
Quando surgiu a ideia de produzir este documentário?
Em agosto de 2017, fui para a Nigéria fazer uma pesquisa de campo para ver se valia a pena desenvolver o projeto. Achei interessante e vi que era válido desenvolver a ideia. Comecei a desenvolver o roteiro. Em seguida, começamos a produzir o teaser que está no ar. Na época, o time era um pouco menor.
Uma das razões para eu ter escolhido Exu foi porque durante o processo de pesquisa, o primeiro livro que veio parar na minha mão era justamente sobre essa divindade. Já tinha ido a um terreiro antes, mas não era frequentador assíduo. Sempre gostei da Teologia Africana, sempre achei bem atraente, leio muito sobre, ainda frequento terreiro de vez em quando, mas não sou adepto. Posso dizer que sou apenas um admirador da religião.


Thiago Zanato é diretor e roteirista do documentário. Foto: Arquivo Pessoal

Quanto tempo duraram as gravações? O processo de produção foi muito trabalhoso?
Na verdade, as gravações não terminaram ainda, o processo está sendo bastante trabalhoso. Já acumulamos mais de 100 horas de material. Precisamos ver e rever o roteiro. É um verdadeiro vai e vem até encontrarmos a forma ideal para o filme. Há entrevistas que são em Iorubá. Então, o material acaba se tornando bastante complexo. Houve um momento especial que você elegeria entre o que vivenciou até agora?
Eu acho até difícil apontar um momento. Talvez o mais impactante tenha sido na Nigéria. Ver o jeito que as coisas são feitas lá foi bem diferente do que eu esperava. O que mais me marcou foram as relações entre as pessoas no contexto religioso. Achei a relação entre eles muito bonita. A hierarquia ali era muito horizontal, era uma união muito forte. Apesar de eu ser branco, eles me receberam de coração aberto. Fui muito bem recebido. Lá a hospitalidade é um traço bastante característico, é uma cultura muito receptiva.
Quais foram as locações?
Iniciamos gravando 15 dias na Nigéria. Em seguida, mais 15 dias em São Paulo e, em junho, iremos realizar gravações na Europa. Lá vamos fazer registros na Eslovênia, Espanha e Croácia. Nestes países, o culto aos Orixás está começando a se espalhar. Já existem alguns terreiros associados ao Oduduwa. Futuramente, iremos realizar mais gravações no Brasil, mas o local ainda não está definido.
Quem são as personalidades que contribuem com depoimentos ao longo documentário?
O filme traz alguns personagens principais. Até agora, temos depoimentos do professor Babá King, o Nasi também entra como um dos personagens, tem a Jasmina, que é Eslovena. A Yiákemi Ribeiro, que é coordenadora do Grupo de Pesquisa Estudos Transdisciplinares da Herança Africana (CNPq-UNIP) e a Tânia Vargas.
O projeto conta com patrocinadores?
Até agora, é um filme completamente independente. Estamos utilizando nossos próprios equipamentos. É um trabalho grande. Então, estamos em busca de parceiros para nos ajudar a levar o projeto adiante.
Qual seu principal objetivo ao produzir um documentário que fala de uma divindade tão controversa como Exu?
O foco é desmistificar a imagem de Exu que se tem aqui no Brasil, que é essa imagem negativa, que é associada à Magia Negra e essa coisa de desmistificar Exu é bastante delicada. Os processos que levaram a essa distorção de sua imagem ocorreram em contextos históricos de grande importância para o mundo ocidental como um todo, onde o principal objetivo sempre foi desvalorizar a imagem da cultura negra. Apesar da proximidade com a questão religiosa, esse não é o único foco do filme. Há também a questão político-social que entra no âmbito da intolerância religiosa.
Que tipos de registros foram feitos?
Na Nigéria, foram feitas entrevistas com sacerdotes, visitas a lugares históricos tradicionais que são importantes para a religião, registramos também a saída de alguns Orixás. Além disso, também captamos alguns rituais que, de acordo com eles, nunca foram filmados, como os de iniciação.
Você pretende desenvolver mais trabalhos sobre outras divindades?
Pretendo fazer outros trabalhos, pois é um universo muito rico e acho um absurdo existirem poucos filmes bem feitos e que retratem a história dessas religiões. O Brasil é muito carente nesse aspecto. Sou bastante inconformado quanto à isso. Ainda não tenho algo em mente, pois ainda estou focado neste atual projeto, mas pretendo realizar outros trabalhos direcionados a esta temática.
Como está sendo a experiência de produzir este longa?
É uma experiência enriquecedora, pois é uma filosofia muito profunda, bem vasta e me ajuda bastante no meu ponto de vista brasileiro em relação às religiões de origem africana. E me ajuda também a entender porque as religiões de matriz africana são tão mal vistas. É uma oportunidade única de descobrir de onde vieram alguns conhecimentos milenares que chegaram ao Brasil que a gente tem acesso e, ao mesmo tempo, tem medo. Acho muito bizarra toda a visão que foi construída em relação a essas religiões.
*Estagiário de Redação supervisionado pela jornalista responsável Íris Marini.
http://noticiasdeterreiro.com.br/2018/04/27/documentario-exu-e-a-ordem-do-universo-desmistifica-papel-da-divindade-no-ocidente/